9 de abr. de 2011

Algo está muito errado!

 

Meu amigo Rafael Valencio enviou um e-mail sobre a tragédia acontecida no Rio de Janeiro. Clique aqui e leia o texto publicado no seu Devaneios. Abaixo, você confere minha resposta para ele e os demais copiados na mensagem:

Meu amigo, lendo sua angústia, “zilhões” de coisas passam por essa cabeça insana e coração inquieto! Tentarei aqui, com alguma dificuldade, expor algumas ideias que eu conseguir apanhar da mente com a ponta dos dedos:

A partir do momento em que se começou a valorizar a igreja (instituição), a Igreja (corpo de Cristo) deixou de exercer seu papel principal na Terra, que é a de transformar as pessoas (e o mundo) através dos preceitos do Reino de Deus. Enfatizo que essa transformação não se dá por uma lista de regras e liturgias, no controle e na tentativa de nos tornarmos seres superespirituais. Nunca seremos. Somos gente! Gente cheia de falhas, pecados, manias, vícios. A instituição e suas regras (malditas) não podem (e não devem) sufocar o amor, a gratidão, a compaixão, a alegria, a comunhão, a solidariedade, o afeto, o carinho.

E aí entra a graça de Deus. A graça que proclama a assombrosa verdade que tudo é de presente. Tudo de bom é nosso não por direito, mas meramente pela liberalidade de um Deus gracioso. Isso porque o maior de todos os presentes nos foi dado, a própria vida, olhos para ver e mãos para tocar, mente para formar ideias e coração para bater com amor. A Boa Nova do evangelho da graça grita em voz alta: somos todos mendigos, igualmente privilegiados, mas não merecedores, às portas da misericórdia de Deus! Inácio de Loyola disse que “a experiência direta de Deus é de fato graça, e basicamente não há ninguém a quem ela seja recusada”. Todos a recebem, gratuitamente. Todos!

Lutero se debatia noite adentro com a questão fundamental: de que forma o evangelho de Cristo podia ser realmente chamado de “Boa Nova” se Deus é um juiz justo que retribui aos bons e pune os perversos? Será que Jesus veio revelar essa terrível mensagem? De que forma a revelação de Deus em Cristo Jesus podia ser acuradamente chamada de “Nova”, já que o Antigo Testamento defendia o mesmo tema, ou de “Boa”, com a ameaça de punição suspensa como uma nuvem escura sobre o vale da história? Porém, como observa Jaroslav Pelikan, Lutero repentinamente chegou à percepção de que a justiça de Deus da qual Paulo fala em Romanos 1.7 (Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá pela fé) não era a justiça pela qual Deus era justo em si mesmo (que seria uma forma passiva de justiça), mas a justiça pela qual, por causa de Jesus Cristo, Deus tornou justos os pecadores (isto é, justiça ativa) através do perdão dos pecados na justificação. Quando descobriu isso, Lutero afirmou que os próprios portões do Paraíso haviam-se aberto para ele.

Esses dois últimos parágrafos foram inspirados pela leitura que faço neste momento do livro “O evangelho maltrapilho” de Brennan Manning, publicado pela Mundo Cristão. Estou maravilhado com a leitura e recomendo a obra, vale muuuuuuito a pena! Um livro para ler com o coração e os afetos!

Quando escrevia essas palavras, Jung Mo Sung (teólogo católico e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião) “tuitava”: “Detrás de tanta gente sem saúde e comida, há um sistema econômico e político injusto. Compaixão significa também ação sócio-política”. Não basta apenas orar pelos que sofrem. Devemos sofrer suas dores também. E fazer alguma coisa para reverter o quadro triste pintado pelo capitalismo (chamado por alguns de capetalismo). Em função de poder, dinheiro e status, muitos sofrem, são excluídos, marginalizados. E daí, surgem não apenas os atiradores de escolas. Mas também todo tipo de gente fracassada, humilhada, excluída, machucada. Gente doente que gera mais gente doente. Fico pensando nas milhares de crianças e jovens que são violentadas ou morrem diariamente e que não estão na mídia como o caso da tragédia do Rio de Janeiro. Um sem número de vítimas inocentes que já virou estatística fria, apenas números. Ou seja, temos um câncer em nossa sociedade que precisa ser tratado.

Não estou dizendo aqui para sairmos às ruas fazendo uma revolução. Devemos começar com pequenas atitudes de mudança. Como o Rafah citou, Mario Quintana diz que:

"O que mata o jardim

É esse olhar vazio

De quem por ele

passar indiferente”

Devemos valorizar mais a vida e as pessoas, sair de nossas torres de marfim. Quantas vezes passamos por pessoas na rua, no elevador, na igreja, em casa, na sala de aula ou no trabalho e nem sequer olhamos para os que estão perto de nós, no cotidiano. Ou fingimos que ouvimos as pessoas, quando elas precisam de nossa atenção. Devemos começar a tocar o mundo com atitudes mais gentis, mais amorosas. Sim, eu sei que não é fácil. Devemos também saborear a vida com mais leveza. Tanta gente arrumando confusão por nada. Inacreditável, um desperdício de felicidade.  Sejamos mais pacientes, bondosos, amorosos. Mas só conseguiremos viver nesta perspectiva se aceitarmos e assimilarmos o evangelho da graça, do obstinado e furioso amor de Deus por todos nós. A partir daí, sob essa nova percepção, devemos tocar os outros com vida, como compaixão, com misericórdia, com amor, com alegria e, como resultado, transformar a sociedade na qual estamos inseridos, fazendo ser vistos os valores do Reio de Deus que está tão pertinho, pronto para se tornar realidade em nossa vida terrena. Bastamos usar o segredo da escada, um degrau de cada vez!

Brennan Manning escreveu que este evangelho não é para os  superespirituais, não é para os fortes, cujo herói é o Rambo e não Jesus, não é para os acadêmicos que aprisionam Jesus na exegese, não é para gente barulhenta e bonachona que manipula o cristianismo a ponto de torná-lo um simples apelo ao emocionalismo, não é para os místicos de capuz que querem mágica na sua religião, não é para os cristãos “aleluia”, que vivem apenas no alto da montanha e nunca visitaram o vale da desolação, não é para os destemidos que nunca derramaram lágrimas, não é para os zelotes ardentes que se gabam com o jovem rico dos evangelhos, que “guardava todos esses mandamentos desde a juventude”,  não é para os complacentes, que ostentam honras, diplomas e boas obras, crendo que já chegaram lá, não é para os legalistas, que preferem entregar o controle da alma a regras a viver em união com Jesus.  Este evangelho é para os sobrecarregados que vivem ainda mudando o peso da mala de uma mão para outra, é para os vacilantes e de joelhos fracos, que sabem que não se bastam de forma alguma e são orgulhosos demais para aceitar a esmola da graça admirável, é para os discípulos inconsistentes e instáveis cuja azeitona vive caindo para fora da empada, é para homens e mulheres pobres, fracos e pecaminosos com falhas hereditárias e talentos limitados, é para os vasos de barro que arrastam pés de argila, é para os recurvados e contundidos que sentem que sua vida é um grave desapontamento para Deus, é para gente inteligente que sabe que é estúpida, e para discípulos honestos que admitem que são canalhas.

A justificação pela graça mediante a fé significa que sou aceito por Deus como sou. As pessoas têm expressado o temor de que essa auto-aceitação pode abortar o processo de conversão em andamento e conduzir a uma vida de ociosidade e frouxidão moral. Nada poderia estar mais longe da verdade. A aceitação do eu não implica em resignar-se com o estado das coisas. Ao contrário, quanto mais plenamente aceitamos a nós mesmos, mais começamos a crescer de forma bem-sucedida. O amor é um estímulo muito superior à ameaça e à pressão. A partir daí, podemos nos amar melhor e amar também aos demais. Podemos fazer mais pelos outros sem nos preocupar com aceitação, publicidade e/ou críticas.

Por fim, eu também quero escolhas diferentes, sociedade diferente, pessoas diferentes e aceitação diferente. Descobrir um novo mundo tem sido uma aventura muito bacana, prazerosa!

Acho que isso é tudo, ou nada! Risos! =)

2 comentários:

Rafah disse...

Concordo muito com que você disse. Tem uma coisa muito bacana que o Foucalt fala que é acerca do "cuidado de si". Todos precisamos desenvolver um "cuidado de si" um cuidado que potencialize a vida, a potencia de vida, ou seja, termos bons encontros, buscar aquilo que nos faz bem.

Mas, tanto Foucalt quanto Schwartz e outros teóricos, falam que todo "cuidado de si" implica, necessariamente em um cuidado do outro, pois o cuidado de si não é um cuidado individualizado, que busca apenas o meu prazer ou benefício, mas aquilo que potencializa não só a minha vida como também a vida do outro.

Só queria esclarecer uma coisa: Também acho que a atitude do Welinton (atirador) é revoltante, também não consigo perdoá-lo, o que estou falando é que este cidadão, como você diz é, também, fruto de uma sociedade, sociedade esta que nós, como igreja, ajudamos a construir.

PS.: Escrevemos tanto que quase dá para publicar um livro.

Fernando Piva disse...

=)